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“Eu coleciono livros da mesma forma que minhas amigas compram bolsas de grife. Às vezes, só gosto de saber que os tenho e lê-los de fato não vem ao caso. Não que eu não termine lendo-os todos, um por um. Eu os leio. Mas o mero ato de comprá-los me deixa alegre – o mundo é mais promissor, mais satisfatório. É difícil explicar, mas eu me sinto, de alguma forma, mais otimista. A totalidade do ato simplesmente me faz feliz.” (Ler, Viver e Amar; pág. 21)
Jennifer Kaufman e Karen Mack

Editora: Leya – Selo Casa da Palavra
Autoras: Jennifer Kaufman e Karen Mack
Ano de publicação: 2006
Título Original: Literacy and Longing in L.A.

Sinopse: “Divorciada pela segunda vez, a vida de Dora se resume a ficar na banheira acompanhada de uma garrafa de vinho e muitos livros – de Tolstoi a Mark Twain, de Flaubert a Jane Austen. Numa das idas à livraria para se reabastecer para o próximo “porre literário” ela conhece Fred, seu príncipe encantado: formado em Literatura, oferece a ela ideias inteligentes, romantismo e uma válvula de escape. Mas a convivência com a família do namorado traz à tona sentimentos novos e a desperta para importantes decisões. Dividida entre Fred e o arrependido ex-marido, bem como entre o ócio e a retomada da vida profissional, a personagem nos proporciona uma história divertida, sexy e inteligente. A heroína imperfeita Dora reflete a angústia da busca por realização e felicidade com que toda mulher irá se identificar.”
É necessário dizer-lhes que a narrativa contém algumas cenas indevidas, com teor explícito e de má vocabulário.


Adentrando a história, deparamo-nos com Dora, um mulher cujos desastres da vida são relevados e transpassados por meio do que ela chama de porres literários. É um ritual para ela: coloca uma estação de jazz para tocar, enche a banheira, pega um vinho, carrega uns muitos livros até seu recanto de silêncio e paz e, finalmente, se entrega a dias de deleite em meio a histórias e mais histórias lidas e relidas como a primeira vez.

“(…) eu ficava em casa lendo. (…) ele se transformara num viciado em trabalho e eu estava perdida nessa sobre naturalidade bem-aventurada e surreal dos livros. Comparada à realidade, era muito mais sedutora.” (Ler, Viver e Amar; pág. 47)

Assim, durante dias – e até semanas – ela se esquece do mundo, das pessoas e de tudo aquilo que lhe chateia ou mesmo a incomoda: é seu refúgio e sua salvação. Vale dizer, que Dora é uma personagem curta, angustiada e mimada, na ausência de melhores termos – que agora não me vêm à mente – para sua atitude e seu ser… opaco. Ainda que a história seja bastante interessante, Dora repete a imagem de um indivíduo que, perdido e preferindo largar tudo que lhe é vida, entrega-se à ilusões e fechares de olhos para que não tenha de enfrentar o que lhe angustia e lhe confronta. E é aí, que se encontra a profundidade da questão. Dois casamentos fracassados, um emprego largado – para cuidar de seu pai – e dinheiro de herança – o qual ela gasta… ácida e freneticamente, ela acaba se tornando uma mulher que não reage às adversidades, acabando por entrar numa zona de conforto estável e com poucos tremores. Ela desanima-se da vida, mas é esse seu mal-estar o que garante algumas boas gargalhadas. Dora é sensível, frenética, louca e agressiva em sua postura: seus pensamentos – narração – são muito próximos do que muitos carregam e a franqueza e sinceridade de seus pensares são de grande compreensão e reflexão.

“Tenho essa fantasia sobre um clube do livro em minha mente, onde outras pessoas se sentem tão apaixonadas como eu me sinto com relação à leitura. Como se fosse um beijo realmente bom. O prazer diáfano e a intimidade de ter um relacionamento com um romancista e todas as personagens é transcendental – até mesmo sensual. Determinadas passagens continuam repercutindo em minha cabeça muito tempo depois que já fechei o livro, e muitas vezes mal consigo esperar para voltar à história, como se fosse um amante secreto.” (Ler, Viver e Amar; pág. 77)

Soma-se a isso, as citações de autores e seus livros iniciando cada capítulo: um jogo com a mente e uma reflexão ainda mais acentuada para o que acontecerá. Ainda que Dora seja uma protagonista que beire muito o fraco, ela carrega em si uma postura verossímil que atinge porções de criaturas pelo mundo. Ela tem angústias, dores, cansaços e desconta suas frustrações no que lhe convém: os livros.

“Há algo que me deixa feliz: jamais fico entediada e eu nunca me importo em esperar – em qualquer lugar. A menos, é claro, que eu tenha esquecido meu livro, e nesse caso eu simplesmente corro para comprar outro.” (Ler, Viver e Amar; pág. 32/33)

A linguagem em “Ler, Viver e Amar”, por sua vez, é de bom tom no que abarca a imensidão da história: o repreensível é que algumas cenas e suas respectivas descrições são bastante… desnecessárias. Digo-lhes isso, porque – um livro que cita esplendidamente e com uma grande satisfação grandes e inúmeras obras sensacionais e de indescritível valor literário – não necessitava utilizar-se do sexo da forma como foi descrito. Ainda assim, tal situação é respeitável, uma vez que o autor tem a liberdade de construir sua criação bem como a inspiração lhe instigue. Todavia, ao meu parco ver, é algo que realmente traz uma conotação negativa, uma vez que os termos utilizados ali são pejorativos e maliciosos em demasia para uma narrativa que trata sobre livros de forma tão bem citada. Ademais, o restante da história tem linguagem apresentável, suave e adocicada pela menção a citações inebriantes.

Quanto as demais personagens, a ênfase e os créditos destinam-se à Darlene, melhor amiga de Dora. Animada, vil – na melhor semântica possível – entregue às seduções da vida e com um humor que lhe é de extrema peculiaridade. Darlene é o tipo de personagem que encanta com sua leveza forte, rude e de substância, elevando a narrativa com um pequeno enfoque à sua existência na mesma. Cativa com sua personalidade quase áspera, com suas falas puras e características e com seu jeito leve e solto de viver. É uma mulher que se separou e que – sozinha e claramente distinta de qualquer outra amiga que Dora possua – fez de sua vida várias aventuras e frases maleáveis que lança sem muito filtro.

As demais personagens que vêm a surgir são realmente boas e demonstram lados e atitudes pertinentes a todos. Virginia, Fred, Lorraine, Bea, Harper, Palmer… Todos carregam uma vertente que pesa no navio de Dora e que vão formando-a pouco a pouco, obrigando-a a lidar com os fatos, ao invés de largá-los num canto escuro do inconsciente. As autoras trabalham com empolgação os momentos de constrangimento e aleatoriedade que permeiam Dora; exploram esses pontos num nível interessante, porque – ainda que uma ou duas cenas sejam vetáveis – todo o restante é quase uma busca da protagonista por sua própria essência. Ela simplesmente tem sede de algo que ela mesma esqueceu. Ainda que seja bastante sutil, é um tom perceptível se atentos às marcações deixadas por Dora.

Uma analogia com as emoções seria possível: Dora seria a dúvida constante, a interrogação que nos entrega a devaneios mil; Darlene, a aventura e o divertimento que se procura nos momentos mais insanos; Harper, a inocência cuja essência surpreende com a simplicidade quase comprada; Virginia, a loucura levemente doentia que aconselha, mas que lança pequenos conflitos particulares; Fred, a traição não-literal dum comportamento egoísta e único com falso galante.

Duma forma abrangente, no entanto, o vocabulário é limpo e a história tem em si uma sintonia melodiosa que acaba embarcando-nos rumo a assuntos convenientes, pertinentes e até passíveis de longas reflexões.

Então, deixo-lhes agora com:
Até onde dar de ombros a um problema é a solução que procuramos?


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