Foto: Universo dos Leitores

Quer conhecer a poética e a literalidade envoltas numa atmosfera de tragédia, amor e coração? Está pronto para mergulhar nas profundezas de um mundo tão distantemente familiar?
Então, conheça Sal, livro da autora Leticia Wierzchowski e se perca nas ondulações dos mares que lhe levarão às profundezas de um universo encantado…
Confira a resenha logo abaixo.

Pode a sensibilidade ganhar contornos tão incríveis e assustadoramente estáveis dentro da mente humana? A poética, a lírica, cada palavra, tom e melodia expressos ininterruptamente neutralizam o ser humano a aponto de neutralizá-lo. Há canção, sonho e amores em suas palavras, na sua autêntica e completa forma em contar histórias; protagonistas ou espectadores apenas? Quem somos nós nesse vasto e hilariante universo?
A narrativa é delineada como ao pôr-do-sol, ganhando matizes incontáveis de cores e tonalidades. O silêncio do mar ressoa em nossas almas com a poética que, avassaladora, nos arranca em estupor de nossas condições insensíveis. Impactante, insensata, alucinada em sua loucura sã, Wierzchowski encanta com as letras que se tornam vidas.

“O trabalho de uma vida. Quando você anda por ela e cada pequeno detalhe, mesmo incidental, tem a sua história, guarda um significado próprio. E depois se desfaz subitamente, rápido demais até para os seus olhos.” (Wierzchowski, p.125)

Deparar-se com o reflexo de si mesmo é algo absoluto e incontido. O processo lhe arranca do devaneio insano de uma existência parca e a autora nos eleva a um plano maior, no qual a sensibilidade aflora e transborda o que nós somos.

“O tempo pode ter o mesmo efeito de uma guerra. Avassalador. Miúdo e invisível, ele nos pega de surpresa. De repente, bum. O tempo passou como um rio tormentoso carregando tudo consigo” (Wierzchowski, p.123)

Todavia pode estar a se questionar? Que há que enverede em demasia um leitor? Sensibilidade, drama, tragédia, ilusões, lucidez. Há uma trama que entrelaça a quem lhe absorva as palavras, tornando-o parte do que ali está a ser lido. O mundo flutua e se arrasta, flutua… E cai-se num abismo sem fim, que lhe dá novas possibilidades.
Há linguagem e segredos de linguagem; a autora tece com uma maestria louvável cada instante da história, permitindo que se deseje vivenciar o que quer que lhe seja contado.

Suas palavras são como o sal da vida, o sal do mar: intrigantes, duras, reais. Apaixonantes. Ébrias e intocáveis. E cada palavra, cada verso, é um encanto de deslumbramento e infinito.”
Hillary Lancaster

A narrativa de Wierzchowski é chocante e arrebatadora. De extrema força e arrebatamento, a autora nos leva até La Duiva, diminuta ilha encontrada na América Latina, onde a família Godoy se estabelece. A história narra vários pontos de vistas entrelaçados em cores, definindo um a um, as personagens com suas peculiaridades todas.
Vai-se percebendo, ponto a ponto, que as palavras são o tecido que criam e entrelaçam as veias do Destino e do futuro e que a autora domina cada instante, mais do que como uma criadora.
O farol, cuja imagem aparece na capa, é o guia dos marinheiros ao mar e é a família Godoy, função dos homens das gerações da mesma, cuidarem de seu funcionamento. O último a cuidá-lo é Ivan, marido de Cecília, aquela que tece seu tapete e dá cores a eles, conforme a história flui em seu ritmo de maresia. A partir daí, tem-se o desenrolar da narrativa e nos é apresentado os seis filhos do casal, bem como suas cores, suas vontades, seus seres.
A escrita da autora é fantástica, carregada em figuras de linguagem, trabalhada em suas minuciosas preciosidades e resulta numa criação ímpar. A suavidade é arrebatadora, as personagens são intensamente vívidas, carregas em suas angústias, sofrimentos, amores e questionamentos. Há uma emoção incontida em cada um que passa a habitar a história.
Sal é um romance para ser sentido, como toda literatura deve ser. É um romance para tomar por inteiro o coração e a mente, porque não são apenas frases dispostas a formarem um texto: são palavras criando vidas, nutrindo-as, matando-as e as recriando num renascer ao crepúsculo; são palavras balançando-se no compasso indistinto da existência.

“Como o tempo pode provocar tamanho estrago? Ando pela minha casa e já não a reconheço totalmente. Parece a casca vazia de alguma coisa. Percorro os corredores sem vida, silenciosos. O sal dos anos parece se acumular por sobre as coisas todas. Se me esforço um pouquinho, fechando os olhos – apoiada num sofá, num canto de parede, na estante com todos os livros que Flora resgatou do esquecimento lá no depósito-, posso ouvir alguma coisa. Como o som dos mortos, as suas vozes tênues, queixosas… Outra já teria procurado um médico, uma faca, um amante. Outra que não eu. Eu tento agarrar o tempo, tocar as fímbrias do tempo com os meus dedos. Tento transpor a barreira dos anos e reexperimentar esse riso, a limpidez de cascata desse riso que um dia passou por aqui.” (Wierzchowski p.123)

Sobre a Autora: 

Leticia Wierzchoeski é de Porto Alegre, 1972, e autora da famosa e aclamada obra “A Cada das Sete Mulheres”, que inspirou a série da rede Globo de mesmo nome.
Suas obras foram traduzidas para outros idiomas e levadas a outros países, sendo que a autora ganhou o prêmio Açorianos de Literatura, em 2012.


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